partitura

No interior do meu peito a arquitectura pouco habitual do teu hábito dito "anormal" designa áreas específicas, e cada uma comporta os seus próprios propósitos obscuros. Através de uma cavidade na minha caixa toráxica que desenhaste a custo com as unhas, enfias na minha carne uma carrada de corpos que caem contra o meu diafragma e que pausadamente se distribuem pelas mesmas, expectantes. Depois vociferas ordens que coordenam os meus subtextos e subpeles, ressoando a vibração rouca das tuas palavras pela população de micro-corpos que agora me povoa a respiração. Essa multiplicidade de partes sempre-palreantes que me passeia agora pelo interior reconhece à partida a sua pertença a espaços próprios, diferenciados no giz do teu gesto leve mas bem iluminado. Pacientemente, posicionam-se e iniciam os seus labores.

Não os sei trazer à palavra porque simplesmente não vejo o interior do meu próprio peito; adivinho só pela modulação do meu fôlego que mobilizam fogos inteiros. E sendo eu complacente, cuspo faíscas e inalo mais matéria-prima. Não adivinho o resultado disto mas sei que já reconstruiste o meu corpo numas poucas horas. Não sei se me posso sequer reconhecer em qualquer espelho na sequência disto - talvez já não tenha reflexo agora que sou um projecto e não o chão de qualquer poder que exista neste mundo. Mas quantas mais faíscas exalo, maior o alívio que sinto: eis que é possível, adivinho, que passando entretanto mais umas horas, eu não seja este corpo sequer.

E que útil que isso pode ser.

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