quando leio

1.

Estando eu desgastado pelo gozo e seu contrário, e tendo até confinado no corpo energias que não soube analisar além de si próprias, frequentemente não sei que faça de mim que não forçar à escrita os marfins e mentóis do meu cérebro amassado.

2.

Mas o fruto disso, ainda que pouco açúcarado, é robusto o suficiente, e justifica-se então que eu rasteje timida e estrondosamente este chão à procura do artifício da sua fala engenhosa. E não é que a consigo afinal! Abro a boca e cuspo sementes e semi-sentidos na diagonal do meu peito deprimido e atonal, que são capazes de mais do que eu e que me tornam a mim mais que mim pela capacidade de alcance ao corpo alheio. Alieno a massa inteira da fala à procura da assinatura rasa e total; quero penetrar a impermeável estória destes atritos com um lance agudo de punho e grito que sorteie outra a versão do evento, depositando na base da estrutura o rebento de outra coisa qualquer. Não sei se consigo o que seja, mas tento.

3.

E é no interstício de um exercício contra a autoridade que ele vem, sem potência na autoria nem idade que lhe seja própria, e se aproxima da execução ínfima e íntima do acto improvável. Com o corpo mais flexível que a própria força e passível de se restituir fraquezas várias, ele verte agora vertigos inteiros de azar e fama sobre si próprio, conforme se propõe ao espaço e eu observo-o, eu abraço-o. É que ele conseguiu a coisa não-coreográfica de interromper a pontuação da própria acção no momento da sua estruturada e austera articulação, remetendo à rima o sentido e assim acendendo toda a textura, sem tacto ou trauma residual no seu gesto aberto e honesto.

4.

E por mais que eu me ocupe com a densidade de determinações e conspurcações complexas do verbo em luta, inclino-me ainda mais atenta e gratamente ao seu corpo frágil e franco - à simplicidade do seu corpo à escuta.

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