espiral x 2

1.

Antes de mais é preciso simplificar o silêncio. Reconhecer que o seu género não mistura na água nem mingua na percepção por maior que seja a pressão forçosa da faca - reconhecer que ocupa demasiadas superfícies com "seriedade" e outros para-valores paralisantes e anestesiados ainda antes de chegar ao corpo remoto. Remover-lhe alguma sobriedade, introduzindo-lhe na pele mais branca agulhas recortadas das penas de aves raras, e dobrando-lhe os cantos até lhe diminuir o volume no espaço dado por óbvio até ao momento da sua emergência. Compensar-lhe a falta da modéstia calando-nos no seu lugar de forma sequencial e sucinta, que é como quem diz, darmos voz ao nosso direito de não ter (a voz e o resto), mesmo ali ao lado das suas sombras.

2.

Agora esqueçam completamente a dimensão prescriptiva deste texto, que o que me apetece dizer é só que estou muito cansado como coisas gastas pela consciência do uso mais do que pelo uso da consciência; tendo atravessado sucessivas portas abertas a parte nenhuma de um percurso tímido, trago de volta para trás das portas e partes nenhumas a paz podre de coisa nenhuma bem-conversada: daí que me incomode tanto um silêncio compacto e complexo que está de um lado das coisas e não do outro; é que subitamente ele surge como o sexo próprio da substância da perda e me parece que dispenso o binarismo dessa brincadeira de mau gosto quando aos meus labores e pequenos terrores.

3.

E por estar cansado e até em silêncio, recuso-me a dormir até à última designação; esta palavra tem de parir a seguinte se quero saber-me centro e sentido o suficiente por mais uma noite que seja: resta alternativa nenhuma que não a escrita da alternativa, na espiral mais ou menos bem-sucedida, mais ou menos falida.

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